segunda-feira, 14 de junho de 2010

Texto poético de Futebol

Futebol

Por Alexandre Inagaki

O tempo passa no cronômetro e no placar eletrônico;

na aflição do time em busca do gol premente;

nas rugas do jogador que sai vaiado pela torcida;

na tensão do atacante na hora do pênalti;

no nervosismo do treinador alinhavando desculpas amarfanhadas;

no desconforto do artilheiro que não marca há várias derrotas;

na dor do torcedor que volta para casa envelhecido

carregando em cada perna o peso indelével da frustração.

Instável como técnico no cargo ou juvenil no time titular,

a vida ignora qualquer tática ou esquema de jogo.

E não adianta designar volante para marcação homem-a-homem

porque ela nos escapa, feito bola molhada nas mãos do goleiro,

com a graça de moleque que dribla toda a defesa:

desenho de luz no verde gramado.

Subterfúgios também não vão colar, colega.

Fazer cera, retardar os tiros-de-meta,

simular contusões com artes de canastrão,

trocar passes estéreis de um lado para outro afirmando
"valorizar a posse da bola".

Cada momento será devidamente compensado nos descontos.

(O bandeirinha delator, o goleiro solitário,

o dirigente exaltado, o treinador teórico,

o gandula torcedor, o reserva conformado,

todos tecem vasta confusão de pernas, socos e palavrões no espaço,

estranha cerâmica no meio-de-campo.)


Esta competição, amigo, tem regras rígidas: tão criticadas, tão vilipendiadas,

mas inevitavelmente obedecidas por todos.

Neste regulamento não há tapetão.

Futebol é paciência.

Agüentar as vaias uníssonas de hormônios desafinados.

Jogar sob a chuva pesada, o gramado pesado, a cabeça pesada.

Aturar as contas atrasadas e os bichos pagos com cheque sem fundo.

A semana na concentração longe da família.

O papo arrastado das preleções, o banco de reservas,

as perguntas imbecis dos repórteres.

Mas tudo logo se olvida e se justifica.

E como dá gosto de ver as arquibancadas lotadas,

as bandeiras tremulando, os fogos estralejando no céu.

O juiz já lançou a moeda pra o alto,

é hora de acabar o aquecimentoe entrar em campo com o pé direito.

Agora é hora de beijar a chuteira, fazer o sinal da cruz,

posar para as fotos do pôster, rezar com os companheiros e

aguardar infinitamente pelo minuto de

silêncio que ninguém sabe por quem é.

Boa sorte, irmão.

E que tarde muito até que chegue o temido,

o inevitável, o inapelável

Apito Final.

Publicado em: http://www.interney.net/blogs/inagaki/2006/06/09/futebol/

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